Longe era a escola no dia de verão.
Era a padaria, quando a mãe pedia para ir comprar um litro de leite.
Longe era a casa dos parentes.
Precisávamos ir de bicicleta e ficar o dia todo para compensar a distância percorrida.
Longe era a ‘cidade’, que a gente tinha de pegar o ônibus para chegar.
O centro da cidade, no caso.
Longe depois passou a ser a escola nova. Em outra cidade.
Quarenta minutos para ir, 40 para voltar de Pássaro Marron.
Longe ficavam as praias, no litoral norte de São Paulo.
Também a capital do estado, nos passeios de excursão.
Nas reuniões na matriz da empresa, mais tarde.
Longe era quando tinha de pegar o metrô, com aquelas linhas todas coloridas com destinos desconhecidos, tipo Jabaquara.
Jabaquara devia ser longe.
Longe depois passou a ser Irlanda.
Mais de 10 horas com conexão em Frankfurt.
Longe era só a distância entre um terminal e outro no aeroporto alemão.
Longe era o centro de Zurique a partir do aeroporto.
Para terem nos cobrado 50 euros pela passagem de trem, só sendo muito longe mesmo.
Longe era Paris, Amsterdam, Londres, Roma, Pisa, Luxemburgo, Sevilha, Málaga, Bruxelas… Tudo muito longe.
Almada era longe de Lisboa, que era longe de Loures, que era longe do Porto ou, descendo, para o Algarve…
Agora já não é mais.
Tudo isso virou perto.
“Vou ali rapidinho, vou fazer ‘bate e volta’, vou num pé e volto no outro, já venho” nem sempre se aplica.
Mas passa a ter um novo significado.
Porque a distância é uma questão de percepção, de ocasião e de experiência.
O que antes seria um mar de distância, hoje são nuvens passageiras.
Não vivem dizendo que o mundo é muito pequeno?
Vira e mexe, a gente se esbarra em alguém.
O longe, então, é nada mais que o desconhecido, que tem total potencial de deixar de ser.
Aos poucos vamos nos habituando com a distância, ficando íntimos dela.
Quando percebemos, ela já se tornou um pertinho, um palpável, um atingível.
As distâncias hoje têm outro sentido, outra proporção. O que era longe virou perto. Seja a pé, de bike, de ‘busão’, de trem ou de avião, nada pode ser tão longe.
O homem já não foi até a lua?
Foto: Alessandra Caretto, via Unsplash
[Da série ‘Rascunhos de Ideias Frágeis que Podem Fugir a Qualquer Instante’]