Disseram que sou woke. Tive de perguntar o que isso significava.
Parece que se trata de um termo que se refere a… um negócio tipo de… sabe como é? Você entendeu, né?
Na busca por me colocar em um grupo, bastou uma conversa despropositada, ganhei um rótulo. Mas eu só… Não importa! O que eu sei de você é o bastante para te definir assim.
Legal, eu sou tão woke que…
Primeiro de tudo, tenho consciência da minha falta de conhecimento e reconheço os erros que a mente de qualquer pessoa pode cometer, que podemos sempre sermos enganados pela nossa certeza, sem darmo-nos conta. Quer uma sugestão? Não confie no seu cérebro, ele te prega muitas peças.
Eu são tão woke, que eu defendo a liberdade de expressão e não crio vilões, nem mocinhos. Desconfio de que haja um barulho virtual que soa um pouco mais alto que a realidade.
Eu entendo que na vida, não há somente preto e branco, mas uma infinidade de tons de cinza.
Eu não sou alienada. Não vejo uma coisa e digo que é simplesmente um ‘mimimi’. Eu entendo que há injustiças, que há pessoas que ficam magoadas de verdade e que há muitas outras tentando dizer o que se pode ou não sentir. Fiscais de sentimento é a nova moda.
Sei bem que há uma pontinha de ofensa dentro daquela coisa que vem antes da famosa frase ‘foi só uma brincadeira’.
Eu tenho consciência de que há muitas questões que não me afetam, mas isso não significa que não sejam importantes. Eu sei o motivo pelo qual precisou existir uma nomenclatura específica para o crime de assassinato de uma mulher.
Eu reconheço o porquê de eu achar sem sentido tentar comparar preconceitos simplesmente trocando os papéis dos sujeitos sem uma interpretação mais ampla.
Eu ouço e leio muitas coisas das quais eu não concordo, mas quero entender as outras formas de pensar.
Não é porque eu discordo de algo, que eu não possa compreender ou aprender com aquilo, ou que eu não possa concordar com partes do argumento, ou me sensibilizar e ter empatia por aquele outro ponto de vista.
Nunca obriguei, fui incisiva, ou quis impor um ponto de vista. Pelo contrário, não estou aqui para convencer ninguém.
Não sou alienada, não vou fechar minha opinião dizendo que algo é frescura ou ‘mimimi’. Nunca fui assim, por que agora eu seria?
Mas o que então seria a definição de woke?
Recorri ao texto de Fernando Schüler.
“O termo woke explodiu com o Black Lives Matter, após o assassinato de Trayvon Martin, em 2012, e Michael Brown, em Ferguson, dois anos depois, e na onda de protestos que se seguiram. “Stay woke” virou hashtag, título de filmes e livros sobre o movimento. Sua ideia central: é preciso estar alerta. Há algo muito errado se passando com a violência policial, com a insensibilidade humana, com velhos preconceitos.”
Ele faz uma excelente conclusão (spoiler):
“O que talvez precisemos é de um duplo woke. Pessoas antenadas para a injustiça social, mas com um espelho de bom tamanho à frente. Olhos bem abertos para os defeitos do mundo, que não são poucos, e igualmente para seus próprios defeitos. Daí, quem sabe, menos dispostas a meter o dedo na cara dos outros, e mais a dialogar e persuadir, como é próprio das boas democracias.”
Para quem se interessar mais pelo assunto, recomendo o texto dele que, apesar de não esconder a sua posição, é ponderado (algo que falta nos tempos em que uma conversa basta para a criação de rótulos). Clique aqui para ler!
Foto: Artyom Korshunov, via Unsplash