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Abstenção da descrença

Abstenção da Descrença

Há alguns bons anos atrás li algo sobre a abstenção da descrença. Desde então é um conceito que sempre me vem à cabeça.

Na ocasião, se não me falha a memória, o autor do texto fazia uma relação entre a animação Monstros SA e o final da novela Avenida Brasil, de grande sucesso no país de origem e em outros.

O autor buscava justificar as inoerências do último capítulo da novela e para isso, a única coisa que ele podia lançar mão era da abstenção da descrença.

A definição do termo já está incutida nele próprio: consiste em você abster de não acreditar em algo.

A abstenção da descrença acontece, por exemplo, quando você assiste à animações como a Monstros SA. Na história, existe todo um universo dos monstros e a personagem real, digamos assim, a garotinha acaba por se envolver em aventuras junto destes estranhos novos amigos.
Ora, todo mundo sabe que monstros não existem, não falam, não comem, muito menos trabalham numa linha de produção em massa.

Mas ao pressionar o play para ver a animação, você faz um acordo consigo mesmo de se abster dessa certeza de que monstros não existem para embarcar na história. É por isso que você se envolve, torce e se emociona a partir de situações sem o menor sentido. A gente faz isso o tempo todo.

Acaba entrando em questões complexas, sobre a personalidade, a rotina, os problemas, quando, no fundo, não faz há qualquer lógica para todas as questões se, simplesmente, você não abstivesse da descrença.

É a mesma coisa quando o assunto é o final de Avenida Brasil. Para engolir o encerramento da trama da forma como foi, foi preciso deixar de saber que tratava-se de uma novela e se deixar levar pelos malabarimos sem lógica criados para tentar dar um fim digno às personagens que já ralaram muito durante todos os episódios.

Eu sou suspeita para falar, porque odiei a trama. Mesmo que eu tivesse lido antes sobre a abstenção da descrença, acho que teria de fazer um grande esforço para seguir o fluxo da narrativa. Mas olha, vai ver eu não fui feita pra ela… Enfim, o autor dizia que tínhamos de nos abster da descrença para aceitar o desfecho da trama. E foi assim que eu passei a utilizá-lo na minha vida.

A partir de então, quando eu tenho dificuldade em conceber uma lógica que não faz sentido para mim em um filme, uma novela, uma série… eu penso: “Calma, Adriana. É preciso abstenção da descrença neste caso. Deixe-se enganar.”

Acaba que, mesmo quando não se trata necessariamente de uma novela ou uma animação infantil, é a única resposta “plausível” para justificar algo sem qualquer sentido.

É como se fosse um truque… uma explicação final para quando algo não tem nexo. “Bora abstrair a descrença.”

Foto: Kevin Laminto

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