Uma palavra clichê, mas que, por mais que tentemos ignorar, fingir que é mimimi, não dá para negar: o privilégio.
A maioria das vezes em que ouço falarem sobre isso diz-se respeito ao homem branco cis hétero.
Isso porque essa persona acumula uma série de privilégios.
Li um texto que me ajudou a ver mais claramente essa questão: Homem branco cis hétero: quem é esse cara e o que ele fez?
De acordo com o site, todas as estruturas estão ao lado deste homem lhe dando portas abertas e escancaradas ao longo da história. Esse personagem não necessariamente é o culpado pela existência de todas as opressões. Mas ele é responsável pela manutenção de cada uma delas, uma vez que não olha e não questiona a estrutura que vive.
Não que eu concorde com este trecho ipsis litteris, mas recomendo a leitura do texto completo, por ser muito revelador e quebrar velhas certezas.
Tem uma frase marcante do livro Thinking Fast and Slow: “Só há aquilo que vê”. E, muitas vezes, quem é privilegiado não vê que é privilegiado e não percebe que ao seu redor só há pessoas como ele.
Mas onde eu quero chegar com tudo isso?
Eu, sendo mulher, parda, classe baixa, nascida num país subdesenvolvido, reconheço o meu privilégio. Mesmo estando muito abaixo dessa ‘hierarquia’, sou privilegiada. Ou podemos dizer, sortuda.
Sou privilegiada, por ter crescido numa família tranquila, tendo o apoio incondicional de pais que incentivavam o estudo e o trabalho honesto e que me apoiavam nas minhas escolhas.
Sou privilegiada por ter tido uma formação religiosa e crescido ouvindo sobre fazer o bem ao próximo e a importância da construção de caráter.
Sou privilegiada pela cidade onde eu nasci ter estruturas de saúde, emprego, cultura, educação e segurança, mesmo esta sendo razoável.
Sou privilegiada por ter tido oportunidade de cursar uma faculdade gratuita, por ter professores que acreditavam em mim, por ter entrado em estágios e trabalhos onde tive pessoas para me inspirar.
Sou privilegiada por ter um marido centrado com os pés no chão, com caráter forte e que me ajuda a ser melhor.
Quantas pessoas não tiveram a mesma sorte que eu?
O que às vezes eu vejo é que pessoas que estão mesmo no topo dessa ‘hierarquia social’ sentem-se ofendidas quando ouvem que são privilegiadas.
É como se você estivesse desmerecendo todo o esforço que elas tiveram, todas as lutas para chegarem onde chegaram.
E não é nada disso.
É, na verdade, entender que vivemos num mundo desigual e que as estruturas estão ditando a todo o tempo as influências e as oportunidades que as pessoas vão ter.
É claro que vemos muitos casos surpreendentes. De pessoas que estão totalmente à margem – que, a partir desse raciocínio, não conseguiriam ter o que chamamos vulgarmente de ‘sucesso na vida’ – e se sobressaem grandemente. Mas entenda que a corrida desta pessoa foi muito mais árdua. Ela já começou o jogo em desvantagem.
Não é demérito nenhum reconhecer se você foi formado a vida toda em escolas particulares, que teve apoio emocional e financeiro dos pais por muito tempo, que aprendeu três idiomas diferentes na infância, que estudou fora ou que passava as férias cada vez em um país diferente.
Eu particularmente acho que não faz mal reconhecer o quão boa a vida tem sido para você, olhar para o lado e ver que ao seu lado estão apenas as pessoas que tiveram uma vida tão boa quanto a sua. Não faz mal refletir o porquê não consegue ver o quão longe outras pessoas estão de chegar onde você está. Uma pessoa privilegiada não é culpada, não é o vilão da história. Não é para se colocar neste papel. Mas que tal tentar ver o que não há?
Caso tenha o poder de ajudar a trazer outras pessoas para novos patamares, ótimo.
Se não… reflexão interna, respeito e humildade.
Foto: Bruno Bergher